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Acesso: ingresso ou retrocesso?

Henrique França
@RiqueFranca

Nunca se produziu tanta informação como agora. E a chamada explosão informacional, iniciada em meados do Séc. XX, virou a esquina secular da história em uma espécie de “expansão” desenfreada. Hoje, uma única edição do Jornal The New York Times contém mais informação do que qualquer pessoa teria recebido durante toda a sua vida na Inglaterra do século XVII, segundo Richard Wurman. E se toda essa produção é destinada a alguém, é correto afirmar que nunca se teve tanto acesso à informação como agora. O que é ótimo, não? Nem tanto.

O acesso tem sido o norteador de boa parte do que se tem produzido, consumido e discutido em sociedade, mas também tem cegado nosso senso de reflexão. O acesso à informação, à educação, aos bens de consumo e às artes, evidentemente, é fundamental. Porém, pensar o uso desse direito, desse benefício, é extremamente necessário. E isso, em geral, nos tem faltado. Exemplos?

Na educação brasileira, por exemplo, é inegável a ampliação do acesso às salas de aula. Mas acesso não se resume a números, especialmente quando eles não revelam a fragilidade da filosofia “portas abertas” encerrada em si. O caso da Educação a Distância (EaD), no Brasil, é emblemático no tocante ao acesso numérico. De pouco mais de 5 mil alunos matriculados, no ano 2000, a EaD tupiniquim recebeu mais de 838 mil estudantes em 2009. Estima-se que, este ano, o número chegue a um milhão de alunos em nível superior à distância do País. Comemorar? Sim e não.

Se já muito nos falta estrutura adequada nas universidades “físicas”, no universo dos bits-acadêmicos sobram abstrações. São cursos em todas as áreas que sequer oferecem laboratórios e inundam uma plataforma acadêmica-virtual onde um só professor chega a receber mais de cem alunos. O resultado são estudantes que mal sabem escrever, muito menos interpretar um texto ou até interagir via internet. Pergunte a um professor de EaD. No fim das contas, centenas de alunos simplesmente abandonam os cursos sem muita explicação e muito menos informação do que o previsto.

E o que dizer, segundo o próprio Ministério da Educação, de quase metade (49%) das vagas oferecidas em instituições de nível superior brasileiras que não foram preenchidas? É muito acesso para pouco interesse ou estamos confundindo acessibilidade com mediocridade? Entre esses “oferecimentos”, há casos de instituições que sequer possuem receita mínima para quitar dívidas e manter suas portas abertas. O MEC diz que vai ajudar, depois de anunciar as vagas. É o acesso ignorando o retrocesso.

Outro viés alarmista do acesso-salvador é a mídia. “Em tempo real”, “ao vivo”, “na íntegra”, “tudo sobre”, “multimídia” são bandeiras de um time pouco preocupado com seleção. Há uma enxurrada de noticiários que se repetem, e competem, massacrando o bom senso com violência, consumo desenfreado, padronização social e medo. Tudo pelo acesso – seja na guerra nas favelas, com direito a imagens de corpos mutilados; seja na flagrante da celebridade, com direito a declarações e cenas que envergonhariam o mais inacessível dos ignorantes. A câmera e o microfone dão acesso público ao mundo encantado da vulgarização humana.

Não se trata de purismo, mas da constatação de que ter acesso à intimidade de alguém passou a ser mais importante do que questionar “de que serve esse tipo de acessibilidade? Para que entrar em um curso que não produz reflexão, cidadania, conhecimento?”. O excesso de acesso nos tem embaçado a visão e tirado a limpidez do bom senso, como diria Otto Lara Resende, no texto Vista Cansada: “de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não-vendo. É por aí que se instala no coração o monstro da indiferença”. É preciso acessar o bom senso.

[Texto publicado no Jornal A União, edição de 12 de novembro de 2011]