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Dos Bórgias aos Faustos

Henrique França
@RiqueFranca

 
Não é de hoje que a ligação entre alguns sacerdotes e o “mundanismo” tem-se revelado tão estreita quanto a porta de entrada no paraíso bíblico. Desde os tempos do próprio Cristo os doutores da lei e da religiosidade já provocavam o desprezo do Filho de Deus. De postura inabalável, vestes exemplares e palavras cultas, essa gente sempre esteve à frente dos direcionamentos moralistas e por trás de tramóias, conchavos e toda sorte de sujeira social de sua época. Hoje não é diferente. Muda-se o cenário, permanece o farisaísmo.

A notícia de que um ex-deputado e ex-pastor da Paraíba estaria envolvido na compra de um bebê de apenas 30 dias de vida é mais um número no somatório de casos vergonhosos envolvendo “homens de deus” e crimes diabólicos. O mais vergonhoso, para quem professa essa fé e acredita na instituição ecclesia com uma missão, é ter que aturar supostos líderes envolvidos em um lamaçal digno do chiqueiro onde o filho pródigo fazia suas refeições ao desertar o pai.

Pior: ao binômio sacerdócio-manipulação, nesses casos, soma-se a potencializadora política. Pastores-político, padres-políticos e sacerdotes-políticos, no geral, enveredam por um caminho largo para as benesses que a vida parlamentar contém, incluindo o brilho do poder que ofusca a humildade inerente a todo pastorado genuíno. Se todos os “chamados” lembrassem das palavras do Filho de Deus, não ousariam chafurdar no lodo do poder. Está na Bíblia que ‘o bom pastor dá a própria vida pelas ovelhas’ – e não “dá a vida das ovelhas”, como sugere a investigação policial do caso desta semana.

Interessante notar que não há um pastor ou um líder cristão nas escrituras – de Davi a Paulo – que defenda a ostentação, o poder por conta própria e a afeição política. O primeiro tornou-se rei e caiu vergonhosamente a partir do trono; o segundo era um homem da lei, cobrador de impostos e tornou-se um andarilho distante da política fiscal da época. Mas os novíssimos sacerdotes parecem não entender uma mensagem tão simples.

Vale rememorar a saga dos Bórgias, família espanhola-italiana do período Renascentista que levou um de seus membros – Rodrigo Bórgia – a torna-se o pontífice Alexandre VI, estrategista de uma diversidade de crimes de dar inveja aos mais pecadores dos criminosos: homicídio, incesto, corrupção, estupro, roubo, adultério. Nada fugia ao Papa borgiano. E, claro, a ascensão de Rodrigo Bórgia ao papado levou a família a participar de disputas políticas.

“Os Bórgias” tornou-se livro, assim como outro personagem – real e literário – sustentado pelo tripé sacerdócio-criminalidade-política: Johann Georg Faust, o Fausto. Bacharel em Teologia pela Universidade de Heidelberg, Faust passou a realizar magias e usar seus “poderes” para ganhar algum dinheiro e prestígio. Apesar do conhecimento cristão, foi banido pela Igreja e morreu de forma estranha, classificada como “obra do diabo” – esse, sim, o diabo, personagem sempre presente nessas imbricações político-religiosas. É sempre assim: muda-se o cenário, permanece o farisaísmo.

[Texto publicado no Jornal A União, edição de 5 de novembro de 2011]