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Se formos como as crianças…

Henrique França
@RiqueFranca

Havia um tempo em que as crianças eram consideradas seres inferiores. O desprezo aos pequenos era tamanho que raríssimas eram amamentadas e muitas eram abandonadas pelos próprios pais para que morressem à míngua. Eram eles, os adultos, os dominantes, os fortes e que moviam o mundo. Felizmente, essa ideia idiotizada do Século XVIII sucumbiu à lógica de que sem crianças não teríamos sociedade alguma, sem a infância impossível descobrir-se adulto, seríamos nada. Porém, como zumbis das velhas idéias, novas vozes idiotizadas continuam se colocando veladamente em desrespeito aos meninos e meninas do Brasil.

O infanticídio ainda permanece, por exemplo, no âmbito indígena brasileiro, onde até mesmo agentes federais têm se mostrado coniventes com essa “tradição” de um povo: enterrar vivos seus filhos, caso eles apresentem alguma doença, deficiência e afins. A punição a esses agentes, não índios coniventes, está engavetada em forma de projeto de Lei até hoje, em Brasília. Assim, pequenos curumins continuam sendo sacrificados em nome da cultura, da tradição, de lei da sobrevivência.

No Brasil, pelo menos três crianças são assassinadas por dia. São aproximadamente 700 pequenos que se vão pelos caminhos da violência, todos os anos. Levantamento feito pelo Grupo UM aponta que mais de duas mil crianças são espancadas no Brasil a cada 25 minutos. Em toda essa estatística o que mais assusta é a preponderância de casos ocorridos dentro de casa, onde as pequenas vítimas encontram a violência nas mãos, vozes e animosidades dos próprios pais.

Mas hoje, ou durante todo este mês, a criançada merece mesmo é ver pela TV brinquedos, sonhos fantasiosos, uma programação de desenhos pífios e apresentadores vis “dialogando” com pequenos telespectadores como se cada um deles representasse nada mais que pontos de audiência. Cada olhinho que brilha diante da telinha reluz como moedas de ouro nos cofres das grandes empresas, dos grandes grupos, não raro “engajados” com a tal responsabilidade social capitaneada pelo binômio digno de “Oscar”: crianças e animais.

A pergunta que se coloca é: e se fôssemos como crianças? E se colocássemos toda aquela sinceridade para funcionar, aquele sorriso sem medo de ser explorado, aquela coragem de dizer o que pensa, de sonhar o impossível e colocar-se no mundo como participante e não como dono? E se elas apresentassem os programas de TV, escrevessem nos jornais, coordenassem as filas, dirigisse os carros e nos atendessem ao telefone durante uma reclamação de serviço mal prestado?

Utopia, sem dúvida. Porém, mais vale a reflexão da utopia do que a dureza do que consideramos secamente real. O real é feito por nós, por cada um de nós, grandes e pequenos. Por isso, para as crianças, voar pode ser real, sair com os pais pelas calçadas para passear sem medo pode ser real, aventurar-se em corridas diante de alguns carrinhos simples de madeira pode ser real, nadar em rios limpos pode ser real, conviver em harmonia com os diferentes pode ser real. E nós, o que faremos para que esse dia dedicado àqueles que representam tudo o que seremos no futuro se torne especial, real, como toda criança de fato o é?

[Texto publicado no Jornal A União, edição de 12 de outubro de 2011]