Por que não há indignados no Brasil?

Henrique França
@RiqueFranca

                A pergunta acima não foi feita por políticos de oposição ou lideranças de movimento sociais, também não saiu da boca de grevistas, tampouco veio de representante de minorias tupiniquins. O questionamento, direto e bem fundamentado, foi título de um artigo escrito pelo jornalista Juan Arias e publicado no jornal espanhol El País, na edição do último dia 7 de julho. Ao longo de aproximadamente 50 linhas e outras cinco perguntas, o texto do correspondente no Brasil do periódico de maior circulação na Espanha toca na ferida exposta desse país continental e cheio de riquezas naturais muito exploradas e pouco distribuídas: a corrupção na esfera federal.

Apontando uma herança maldita deixada por Lula a Dilma – chamada por Arias de “ex-guerrilheira” -, o texto aponta o dedo no nariz do brasileiro inerte, em frente à TV, a rir e chorar diante de reality shows e novelas, acomodado no blá-blá-blá de lamúrias pelas esquinas e que ignora o que o jornalista espanhol chama de fenômeno existente em todo o mundo: o “movimento dos indignados”. “Os brasileiros não sabem reagir diante da hipocrisia e da falta de ética de muitos de seus governantes? Não importa que os políticos no Governo Federal, no Congresso, estados e municípios sejam descarados sabotadores do dinheiro público? É o que se perguntam os poucos analistas e blogueiros políticos”, escreve Juan Arias.

Mas a análise e as inquietações de um espanhol que vive e trabalha no Brasil vão além da esfera politiqueira e toca na fragilidade travestida de força social do País do samba e futebol. E ser desnudado por um estrangeiro assim, tão acertadamente, incomoda: “Até mesmo os jovens, trabalhadores ou estudantes têm apresentado, até agora, reação mínima diante da corrupção de seus governantes”. E reflete, calando de vez nossa demagogia popular: “Os brasileiros, após a ditadura militar, foram às ruas por causa das ‘Diretas Já’ para exigir o retorno às urnas, símbolo da democracia. Assim também o fizeram para forçar o presidente Collor a deixar o cargo diante das acusações de corrupção contra ele. Mas hoje o País está mudo diante da corrupção em curso. As únicas causas capazes de levar às ruas dois milhões de pessoas são os homossexuais, os seguidores de igrejas evangélicas na festa de Jesus e aqueles que pedem a liberalização da maconha.”

Diversidade, religiosidade, liberdade. São as nossas marchas, agora. Nossas bandeiras? Os motivos que nos tiram de casa para fazer show nas ruas? Enquanto isso, nos falta dignidade para ocupar as avenidas, os espaços, as redes sociais e bradar contra a corrupção, a impunidade, dentro e fora da espera politiqueira-partidária imperativa no Brasil. E olhem que, quando escreveu ser artigo, Juan Arias sequer imaginava que assistiríamos de camarote, em tempo real, um dos episódios mais absurdos dos últimos meses: a absolvição de cassação da agora deputada federal Jaqueline Roriz – filha do ex-governador Joaquim Roriz (DF) -, que foi flagrada recebendo dinheiro do relator do mensalão do DEM, Durval Barbosa, em 2006. A argumentação foi de que, como à época ela “não era deputada nem funcionária pública”, não podia ser extirpada da Câmara. Ela foi liberada pelos páreas deputados com folga. A pergunta martela: Por que não há indignados no Brasil?

Longe do total pessimismo, percebe-se alguma movimentação contracorrente. Esta semana, milhares de servidores de instituições de ensino federais saíram às ruas reivindicando melhor qualidade na sistema educacional brasileiro. Ontem, parte desse contingente ainda miúdo, mas representativo, foi às ruas. Enquanto pediam “educação de qualidade” aos pedestres e motoristas que passavam pela mobilização, ouviam alguns xingamentos, gestos grosseiros, irritação e olhares de veredito – “baderneiros”. É isso. Talvez os indignados brasileiros sejam vistos por seus conterrâneos nacionalistas como arruaceiros. Bonito, mesmo, parece vestir terno, ocupar bancadas, usar pronomes de tratamento adequados para a ocasião e cumprir o mise-em-scène do descaramento. Nos maltrata menos, em termos de massa popular, saber que a sujeira é jogada para baixo dos carpetes das chamadas “casas do povo” do que encarar alguém sem tantos poderes ou posses, sem cargos políticos e nas mãos e voz muita força de vontade para nos convidar a lutar, refletir, se indignar.

Na balança da sensibilidade crítica e do amadurecimento social, nós, brasileiros, estamos longe de ver o respeito e a dignidade mais pesados que o descaramento, a corrupção e a ganância. Veremos se homossexuais, religiosos e defensores da maconha brasileiros, unidos em multidões, respondem à pergunta publicada no El País.

[Texto publicado na coluna #CotidianaMente, do Jornal A União, edição de 1º de agosto de 2011]

17 responses to this post.

  1. Posted by Gustavo on 1 de setembro de 2011 at 4:04 pm

    Brasileiros somos todos corruptos. Os políticos na verdade são ídolos. São ídolos pois são os melhores na principal arte brasileira: corromper e ser corrompido. Aqui na PB vemos isso a cada eleição, tamanha a paixão dos cassistas e maranhistas.

    Responder

  2. Posted by Carla Quintas Vieira on 1 de setembro de 2011 at 6:26 pm

    Sabe que sempre me perguntei porque o brasileiro é tão acomodado?
    Amei seu post Henrique. Parabéns. Concordo com a opinião do jornalista espanhol. Mas, fazer o que? A impressão que dá é que isso nunca mais vai mudar.

    Responder

  3. Posted by Simão on 5 de setembro de 2011 at 4:00 am

    Seu texto mais fantástico aqui, meu grande! Vou fazer ecoar por onde puder, pq todo mundo tem que ler!

    Responder

  4. Eu acho que você deu pistas bacanas e óbvias do que fazer, de como e onde se revoltar. O seu blog é um espaço, as mídias sociais são outros. Acredito que vivemos uma transição, que estamos descobrindo qual é a posição da discordância. Qual o lugar da indignação no nosso cotidiano e como fazer isso. O fato é que realmente tudo que é errado se tornou muito normal, as poucas formas de indignação são as mesmas, com o mesmo discurso pronto e pouca desconfiança.

    Responder

  5. Posted by rifadaalegriahenrique on 6 de setembro de 2011 at 2:31 am

    Quando for adotado o modelo de justiça igual de cingapura, acaba tudo isso.

    Lá, ladrões são presos e executados.
    Corruptos, são executados.
    O crime é repreendido, não incentivado como aqui no Brasil.

    Essa tolerância é que incita a corrupção no Brasil.

    Para cada real roubado por esses vagabundos políticos, tem uma pessoa passando fome, ou morrendo nos hospitais esquecidos pela hipocrisia dos próprios brasileiros.

    Responder

  6. Posted by larissa on 6 de setembro de 2011 at 2:38 am

    Aqui na Paraíba os servidores da UFPB se manifestaram impedindo os alunos entrarem na universidade. O trânsito parou e o que se ouvia? “Bando de preguiçoso, vão trabalhar, arrumar o que fazer. Empatando minha vida”

    É exatamente o que você disse no post: as pessoas preferem ver os engravatados roubando elegantemente para benefício próprio do que as pessoas de bem revoltadas nas ruas, lutando por condições melhores para TODOS.

    Brasileiro tem complexo de superioridade e qualquer coisa que remeta a “povo” faz mal.
    Temos poucos indignados, porque se indignar é coisa de pobre!

    Responder

  7. Posted by Anderson Lima... on 6 de setembro de 2011 at 2:49 am

    Concordo plenamente… O que mais vejo é pessoas conformadas em apenas críticar esse tipo de coisa em redes sociais, e me desculpe falar, mas não levantam a bunda da cadeira para ir as ruas (ainda mais alguns desses famosos…).

    Responder

  8. Posted by Cristiano on 6 de setembro de 2011 at 3:37 am

    Comparar religiosos a gays e maconheiros eh tao ridiculo quanto a inercia politica criticada no artigo.

    Marchar por Jesus, a familia e a Fe vale mais que qualquer outra bandeira. Nao merece estar no mesmo nivel das marchinhas aqui citadas.

    Responder

    • Posted by Murilo on 7 de setembro de 2011 at 10:50 pm

      Muito pelo contrário Cristiano!!!

      As marchas religiosas estão no mesmo nível que a das outras por justamente remeterem a assuntos sem relevância prática. Por acaso, clamar “Eu te amo Jesus” vai amenizar a corrupção dos políticos? faixas com a frase “I belong to Jesus” vão ajudar a melhorar a educação neste país? Sinceramente, duvido muito!!!
      Questões religiosas são assuntos de cunho pessoal, assim como a sexualidade de cada um. Já o combate à corrupção remete ao nosso futuro e ao de nossos descendentes.

      Responder

  9. Posted by Maísa on 6 de setembro de 2011 at 9:32 am

    Na Universidade Federal em que trabalho, quando começou a greve, os servidores federais foram chamados de vagabundos pelos estudantes. Isso doeu! Desanimou! Fiquei pensando nestes dias que brasileiro já se conformou com as corrupções (estou dizendo na maioria), acostumados com o desvio de dinheiro público, com altos impostos… As vezes me revolta esses brasileiros que acha que são verdadeiros patriatas em Copa do Mundo de Futebol, e cantam aquela música: “Eu sou brasileiro com muito orgulho, com muito amor”. Se este povo criasse marcha que chamasse atenção mundial, mostrasse nossa revolta e repúdio contra toda este Balacobaco, eu participaria mesmo, mas… nem todo mundo acredita que isso vai resolver, que nada vai mudar. A maioria não acredita que o país pode mudar. É triste falar nisto mas o que me resta é rir e chorar de estórias de Brasília.

    Responder

  10. Posted by Charles on 6 de setembro de 2011 at 12:04 pm

    O El País não tem que perguntar nada aqui, eles têm é que olhar mais para eles mesmos e ver que os “indignados” da Espanha são produto do egoísmo e do consumismo espanhol. Poucos (para não dizer nenhum) são os contrários ao sistema capitalista no movimento dos indignados da Espanha, a grande maioria é contra recortes de governo, contra o atraso social que se aproxima da Europa, são contra a crise que não tem fim (e não terá fim). Os “indignados” querem de volta os tempos das “vacas gordas” e do “crédito alto”, mesmo que às custas da exploração de outros povos. Não têm o direito de querer ser exemplo para ninguém, muito menos para povos estrangeiros e ex-colonias.

    Responder

  11. Posted by le canard on 7 de setembro de 2011 at 2:05 pm

    A última grande mobilização nacional pura foi a Diretas Já!, depois disso, os brasileiros se transformaram em massa de manobra das mídias, que usam e abusam da população brasileira. Na minha opinião, a ditadura militar acabou com o poder de indignação dos brasileiros. Também é muito fácil para um jornalista estrangeiro apontar os defeitos do nosso povo sem olhar que o povo dele também é usado e abusado pelas mídias de lá, mídia da qual o El País é um grande protagonista.

    Responder

    • Concordo plenamente com “A última grande mobilização nacional pura foi a Diretas Já!, depois disso, os brasileiros se transformaram em massa de manobra das mídias, que usam e abusam da população brasileira. Na minha opinião, a ditadura militar acabou com o poder de indignação dos brasileiros. Também é muito fácil para um jornalista estrangeiro apontar os defeitos do nosso povo sem olhar que o povo dele também é usado e abusado pelas mídias de lá, mídia da qual o El País é um grande protagonista.”

      Responder

  12. Posted by Cassia on 9 de setembro de 2011 at 11:42 pm

    As instituições: Economia, Política, entre tantas foram criadas com o propósito de controlar as pessoas, isso é fato!
    Infelizmente o que acontece de errado não mobiliza o brasileiro na maioria das vezes por medo e falta de informação.
    Vejo algumas reportagens sobre pessoas marcadas para morrer porque defendem a terra onde moram…
    Imagino que aqueles que os matam estão violando os direitos humanos, como acontece na Líbia ou no Iraque e no Afeganistão… certo?
    Bem, e o que aconteceu recentemente nesses lugares? Invasão de tropas da OTAN e outros… certo?
    Então cheguei a seguinte conclusão, que com a corrupção em crescente desenvolvimento e as mortes por encomenda dos poucos que lutam e nossa inesperada e/ou até previsível evidência global, logo seremos o próximo país a receber o mesmo tratamento!!!
    Pode parecer exagero, mas o fato é que a desigualdade é extrema.
    Será que o brasileiro quando liga a tv e ouve que o Brasil está ocupando tal posição com relação ao bom desempenho econômico, acredita mesmo nisso?
    Num esporte quando alguém chega em primeiro lugar e é desclassificado o ocupante da segunda posição é considerado vencedor!
    É isso que está acontecendo no Brasil e no mundo hoje, como os países desenvolvidos estão girando lentamente ou quase parando, torna-se destaque o que caminha mais rápido, certo!!!
    rs Sou muito leiga, mas na minha humilde compreensão não estamos tão bem colocados assim, essa total evidência que gira em torno do Brasil, ocorre porque os outros países estão com a economia abalada!
    Só teremos orgulho de nossas instituições quando elas de fato trabalharem a nosso favor. Por que eu tenho orgulho de ter nascido no Brasil, é um país ímpar, a terra é maravilhosa, é a corrupção que nos desonra e infelizmente não sei o que fazer!

    Responder

  13. […] do espanhol El País escreveu um artigo de nome “Por que não há indignado no Brasil?”. Foi feita menção a esse respeito neste mesmo espaço que você lê agora. Muitas pessoas se indignaram, sim, com o que leram – alguns se sentiram ofendidos com a postura […]

    Responder

  14. Posted by Henrique on 26 de junho de 2012 at 5:54 am

    Não adianta simplesmente espalhar a indignação pela rede social.
    Como se os políticos corruptos fossem se importar.

    Tem que ir as ruas e parar o país, podemos começar pela rede social mas só isso de nada valerá. Não há como um Rei governar sem súditos.

    Neste país onde nós somos roubados diariamente pelo governo, sofremos assaltos
    na cara larga.

    Aqui nós trabalhamos 5 meses para pagar impostos e mesmo assim, não temos direito a escolas e hospitais de boa qualidade , não temos direito as coisas básicas como moradia,saúde e educação.
    No entanto temos o dever de pagar impostos absurdos e o direito de ir a cadeia por sonegar impostos.

    A importação aqui é um tremendo de um roubo 60% do preço do produto , até mesmo se vc ganhar um produto de presente vc deve pagar , o governo bonzinho baixo o IPI em tudo e os bancos facilitaram as formas de créditos , mas os mesmos bancos aumentaram em 41% as taxas de todos os serviços prestados ao banco.
    Ou seja o brasileiro continua sendo roubado.

    E nessa pouca vergonha, nesse cenário perplexo que temos que ir as ruas e dizer um basta.

    Precisamos urgentemente tirar essa corja(máfia) do poder.(porque é isso que o governo representa , nada mais nada menos que uma quadrilha de ladrões. Que mata mais que qualquer guerra e rouba mais que qualquer máfia )

    Responder

  15. Posted by Marcela Maria on 4 de setembro de 2012 at 10:19 pm

    Hoje em dia brasileiros não se preocupam mais em ser dignos. Basta mostrar algo “bonitinho” que tudo se resolve. É muito triste ver poucos tentarem o melhor, e enquanto os muitos tentam derrubar os poucos.

    Responder

Deixe um comentário