Henrique França
@RiqueFranca
À primeira leitura, a proposta parece fazer sentido: professores efetivos dos níveis fundamental, médio e superior, no Brasil, seriam isentos de pagar o Imposto de Renda Pessoa Física sobre a remuneração docente. É o que sugere o Projeto de Lei 2607/11, de autoria do deputado carioca Felipe Bornier, que está em análise na Câmara Federal. A notícia, publicada no sítio da Casa, lista as justificativas do PL: compensar os baixos salários com a isenção do IR e incentivar aspirantes ao magistério para que ingressem de corpo, alma e menos tributos na carreira docente. A intenção de Bornier pode até ser a melhor possível, mas como disso o Congresso Nacional está cheio, as implicações de tamanha bondade parlamentar merecem ponderações.
Primeiro, o que justificaria, do ponto de vista legal, de igualdade perante a Lei, a diferença de obrigatoriedade com a altíssima arrecadação tributária imposta no Brasil entre professores e profissionais autônomos, por exemplo, ou entre professores e artesãos, vendedores, advogados, médicos, secretárias? Se transformado em lei, o projeto em análise deverá ser contestado, e com razão, por milhares de outros profissionais, há muito massacrados pela penca de impostos tupiniquins, que ganham tão mal ou pior que docentes brasileiros e, ainda assim, estariam obrigados a declarar e pagar por seus rendimentos. Aprovado o Projeto, o professor seria considerado uma espécie “privilegiada” pelo “incentivo” legal.
Diante disso, ou o deputado Felipe Bornier não entende nada de valorização decente, nem de sistema educacional eficiente, ou entende demais de segundas intenções. Afinal, não seria mais justo, respeitoso e correto pleitear melhores condições trabalhistas à categoria? É notória a dificuldade às ideias engessadas do poderio brazuca, mas, que tal deixarmos a política do assistencialismo de lado e apontar para mais contratações, melhor infraestrutura das escolas públicas, participação direta do professor nas decisões educacionais e, claro, melhores salários? Por que não dar ao docente a oportunidade de ganhar mais e não de ter menos de seus rendimentos subtraídos? Parece simplista demais lançar para a tributação o “privilégio” docente, quando esse profissional nunca buscou privilégios – se assim o fosse existiriam ainda menos professores no Brasil. O educador deste País quer, sim, respeito ao ofício.
Não é novidade, mas mantemos o constrangimento de alguns e a falta de vergonha de outros em sapatear sobre a notícia de que, no Brasil, ser professor significa fazer parte de uma das categorias do serviço público com piores salários – em algumas instâncias, eles chegam a ser de longe os mais baixos. O mais irônico – para não dizer crônico – é que cerca de 2 milhões de educadores do Ensino Básico brasileiro sequer precisam declarar o Imposto de Renda, a priori, simplesmente por receberem bem abaixo do valor mínimo anual (R$ 22.487,25). Atualmente, esses nada privilegiados recebem menos de R$ 15 mil ao ano. Ou seja: para esses o Projeto de Lei seria sem qualquer efeito diante da extrema subvalorização pecuniária.
Um País que subsidia montadoras de veículos e extrativistas rurais deveria voltar-se efetivamente à educação. É óbvio que a comemorada redução de tributos pela indústria dos automóveis e por latifundiários não se encaixa na docência. Educação não é negócio e professor gosta de espalhar sementes, não de juntar reservas no celeiro. Quem ajuda a formar uma sociedade (de sua base cidadã à pesquisa aplicada, do engenheiro mecânico ao filho do agroempresário) deveria receber do Congresso Nacional uma proposta com vistas ao futuro – não um paliativo que pode até ser de “boa-fé”, mas deixa razões suficientes para uma avaliação do tipo ‘eleitoreira’. Está mais do que na hora de o Brasil tratar seus professores de modo honroso. Caso contrário, pagará no amanhã um preço social tão alto que nem a isenção total dos tributos fará arrefecer tamanha dívida com quem tem ensinado a esse País o caminho do conhecimento e os passos da esperança.
[Texto publicado no Jornal A União, edição de 26 de fevereiro de 2012]