Ciclofaixa de lazer em João Pessoa: um grito dominical contra o desmonte diário da cidade

Henrique França
@RiqueFranca

Piquenique possível depois da abertura  da ciclofaixa de lazer em João Pessoa.

Piquenique possível depois da abertura da ciclofaixa de lazer em João Pessoa. (Foto: Paulo César Lopes)

João Pessoa, do alto de seus 428 anos, ganhou há pouco mais de duas semanas sua primeira ciclofaixa de lazer. É algo, sem dúvida, a ser comemorado. Afinal, há um punhado de anos não se vê nesta que foi chamada um dia de “segunda cidade mais verde do mundo” ou “capital da tranquilidade” uma iniciativa pública que proporcionasse, de fato, o reencontro do cidadão pessoense com seu espaço urbano de forma tão simples, direta, saudável e não agressiva. Muito menos verde e muitíssimo menos tranquila, a capital paraibana tem assistido nos últimos anos ao desmoronamento de suas características provincianas (não confundir com atraso urbano) confundindo progresso com edifícios, modernidade com engarrafamentos e lazer com shoppings centers cada vez mais monótonos.

Porém, eis que surge uma ciclofaixa ligando a Praia ao Centro da cidade, a classe média-alta ao morador de rua das vielas do centrão, o pedreiro que pedala a Barra Forte e o empresário em sua Cannondale, o vendedor de picolé e a socialite, o skatista e a família que se reúne na grama ao redor da Lagoa pra observar o cartão-postal por um ângulo jamais visto, sem a grita dos automóveis, sem os carros de som das lojas, mesmo que essa bela Lagoa esteja poluída, sofra de um descaso ainda velado. A ciclofaixa de lazer instalada pela Prefeitura de João Pessoa é uma artéria que bombeia sangue novo na cidade – longe do “sangue azul” que circula pela ciclovia da orla, onde o desfilar sobre pedais dá o tom do passeio. A pulsação desse espaço é multicor, democrática, e por isso tem mais a cara da cidade.

Há muito a mobilidade urbana em João Pessoa tem se mostrado caótica e desajustada, desconectada com as tendências mundiais de países onde já se errou muito no conceito “cidade para carros” e que agora apresentam um movimento reverso, abrindo espaços para o transporte coletivo, não motorizado, para o pedestre prioritariamente. Cidades para pessoas é a tônica. Londres, Nova Iorque, Portland, Bogotá, Amsterdã, entre tantas outras, estão aí para apontar os caminhos que a capital paraibana como cidade pequena, ordeira, tranquila e verde que deveria ser, poderia seguir. Afinal, por que seguir um caminho historicamente fadado ao erro? Por isso, mesmo que minimamente representativa nesse contexto de mobilidade urbana, a ciclofaixa de lazer é um acerto, um ponto que precisa ser ressaltado e valorizado.

Porque mobilidade urbana não é a capacidade de seu carro trafegar em uma avenida fluida, com asfalto novo e com poucos semáforos. Muito menos a possibilidade de satisfazer a sanha de provar os milésimos de segundos que levam seu “carrão” de zero a cem – para isso, procure uma pista de corridas. Na Lei, no Código, na lógica, a prioridade não está na máquina motorizada, mas na máquina gente, carne e osso. Uma cidade que tem mais metros quadrados de asfalto do que de calçadas padece dessa compreensão não respeita seus cidadãos como deveria. Uma cidade que se deixa desconfigurar em prol do progresso predial desordenado não tem visão de futuro, largou o tema “qualidade de vida” na mesma gaveta de onde tirou a “qualidade dos investidores”.

A ciclofaixa é um grito em meio a esse processo de desmonte urbano. Um grito muitíssimo tímido, também. Dominical. Afinal, sua instalação se dá somente no período das 7h às 16h, tirando a possibilidade de aproveitar o final da tarde em família, entre amigos, sobre duas rodas. Por que não tornar definitiva a ciclofaixa na cidade – que não mais seria apenas “de lazer”, mas se instalaria como um espaço democrático de ocupação do espaço urbano entre coletivos, veículos automotores particulares e ciclistas? Absurdo! – alguns dirão. Uma simples balança ou um olhar democrático comprovariam que não. Primeiro, o olhar democrático: imagine se seu carro só pudesse trafegar na avenida em horários pré-determinados. E se as avenidas fossem fechadas para carros particulares, dando exclusividade aos ônibus e bicicletas? (únicos veículos, aliás, foco de apoio financeiro pelo Governo Federal, através do PAC da Mobilidade).

Sobre a balança, uma equação simples se impõe: 22% da população de João Pessoa usa carros particulares, veículos próprios, enquanto 78% utiliza ônibus, bicicletas ou anda a pé. Se democratizar implica em equilibrar, por que a prioridade de investimentos, de espaços, de regalias, de uso do solo comum é para os carros, em número muitíssimo menor nesse cenário? A ciclofaixa de lazer precisa ser mantida, expandida, respeitada e valorizada. É o mínimo de equilíbrio que se pode oferecer à ex-capital da tranquilidade.

A noite em que nós encaramos o guarda

MAG

Fachada do MAG Shopping, em João Pessoa

Henrique França
@RiqueFranca

Sim, esse título é uma ironia e faz alusão direta ao curta-metragem de Jorge Furtado “O dia em que Dorival encarou o guarda”. Pois foi assim que eu e minha esposa nos sentimos quando tentamos sair do Mag Shopping, na noite desta quarta-feira (8/5): obrigados a encarar e sermos encarado pelo guarda.

Festival de cinema francês, última sessão com término por volta das 23h. Descemos as escadas do segundo andar ao terreno naquele clima de “bota-fora” que todo shopping tem quando encerra o horário de expediente “normal” (mesmo que algumas atividades, como lanchonetes e cinemas estejam em pleno funcionamento): cadeiras suspensas, pessoal da limpeza a todo vapor, chão molhado, portas fechadas, seguranças.

Chegamos ao térreo. Olhamos para a porta da frente, por onde um casal acabara de entrar (a dupla estava na pizzaria que fica “fora”, mas integrada ao Shopping) e seguimos até ela para sair pelo mesmo lugar. Para nossa surpresa, o segurança que vigiava a porta nos mandou voltar e disse que a saída só se daria pela parte de trás do shopping.

– Nosso carro está aí na frente -, argumentamos. O carro estava a menos de cem metros da “porta proibida”.

– Mas não pode sair. Só o pessoal da pizzaria pode entrar.

– Mas é a mesma porta. Você acabou de abri-la. Por que não podemos passar?

– Porque são ordens. Não posso deixar sair -, explicou (?) o guarda-segurança. (e aqui o roteiro de “O dia em que Dorival encarou o guarda” começava a se delinear)

Neste momento, um outro casal sai da pizzaria para entrar pela “porta proibida”. A moça é uma colega jornalista e nos cumprimentamos – ela do lado de fora da porta, esperando entrar, eu do lado de dentro, querendo sair.

Do lado de lá, o guardo explicou ao casal que eles poderiam passar, mas eu e minha esposa, não. A cara colega, de lá, disse algo como “mas o que custa?” e o guarda-segurança repetiu “são ordens…”. No meio do impasse, o seguidor de ordens resolveu chamar pelo rádio aquele que dava as ordens. Enquanto isso, seguiu com o casal que tinha livre acesso para entrar no shopping até uma outra porta, na extremidade oposta a que eu e minha esposa estávamos, e a abriu para que a dupla pudesse passar.

Para minha surpresa e vergonha, o casal (ela minha colega de profissão, havia acabado de me cumprimentar), passou ao largo, sem olhar de lado, tipo “melhor não nos misturamos com essa gentinha”. E seguiu seu caminho de passe-livre de entrada no Mag. (Em tempo: espero nunca deixar de comprar uma questão dessas por um amigo/colega/enfim. Mas, cada um, cada um…)

Finalmente, o chefe da segurança (creio que sim, porque o crachá estava dentro do bolso e o rapaz não disse seu nome) chegou. Explicamos a situação, o absurdo, a falta de respeito para com clientes do shopping, a total falta de bom senso do subordinado e a nossa condição de “não sermos bandidos” diante do que estávamos passando.

“Bem, agora vou ter que deixar vocês passarem. Mas não é permitido” foram as palavras do chefe/supervisor da segurança do Mag Shopping. Não se desculpou, e colocou-se como alguém que estava fazendo um favor em nos deixar passar. Saímos de um dos locais mais agradáveis desta cidade com a sensação de desrespeito extremo, um mal-estar inoportuno.

Saímos, enfim, mas a situação abriu as portas de alguns questionamentos acerca desse ocorrido:

  1. Se o Mag Shopping não pode manter seu padrão de ambiente agradável depois das 22h, porque permite atividades no local após esse horário?
  2. Se tivéssemos retornado até porta de trás para dar a volta no quarteirão, o Mag Shopping garantiria nossa segurança em seu entorno? (vale lembrar que já tivemos clientes baleados e assaltados na calçada de um dos shoppings da Capital.
  3. Pode parecer alarmismo, mas vale ou não vale lembrar que foram ordens desse tipo (inquestionáveis, apesar de absurdas e sem qualquer bom senso) que amplificaram a tragédia da Boate Kiss, em Santa Maria? “Não pode sair sem mostrar a comanda”, lembram?
  4. Depois das 22h, quem responde por um lugar como esses – além de um chefe/supervisor de segurança que sequer se identifica para seus clientes?
  5. Se o slogan do Mag Shopping é “Único em sua vida”, podemos ficar tranqüilos de que essa foi a única vez que passamos por um constrangimento/desrespeito desses, na vida?

Fernanda Ellen e o grito surdo da dor

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Henrique França@RiqueFranca

“O silêncio como resposta e a esperança como aposta”. Foi com essa frase que comecei o esboço de artigo que deveria ser divulgado na semana passada, contando um pouco do caso da menina Fernanda Ellen e convidando pessoas a participarem do ato público que realizamos na sexta-feira 5 de abril, na praia do Cabo Branco, pedindo um consolo à angústia da família já há quase 90 dias sem a menina de 11 anos, desaparecida em 7 de janeiro deste ano. Há pouco, depois de receber alguns telefonemas, o silêncio foi rompido por um grito surdo de dor: o corpo de Fernanda foi encontrado enterrado no quintal de um vizinho. A resposta veio em seu tom mais amargo.

Sabe o que é olhar para os seus filhos e não saber como responder o porquê de tamanha brutalidade? Sabe o que é olhar para uma vida toda pela frente, um futuro lindo, um sorriso que pode contagiar o mundo e se imaginar sem isso, imagina-los privados do dom da vida? Não há como medir a dor de uma família nessa situação. Não é a ordem natural das coisas os pais enterrarem seus filhos – menos ainda quando sua descendência foi tirada do mundo pela violência gratuita, pela não valorização à vida, pelo desamor. Isso é desordem, é caos, retrocesso humano, inversão da linha de eventos, interrupção de doação de tudo o que reservamos para transmitir aos filhos a vida inteira.

Para quem não é da família, mas conheceu o sorriso de Fernanda pelas telas da TV, a impotência é o pior dos sentimentos – porque paralisa, mete medo, nos faz pensar duas ou mais vezes antes de sair de casa, de deixar os filhos na escola, até mesmo na possibilidade de ter ou não filhos! Um dia a minha cidade foi chamada “Capital da Tranquilidade”. Hoje, está no vergonhoso ranking entre as 10 mais violentas do mundo. Em meados do ano passado o Estado da Paraíba (do qual esta cidade é Capital) ocupou o terceiro lugar na média de assassinatos de crianças e adolescentes no Nordeste, segundo o Mapa da Violência.

Coincidentemente no mesmo horário em que lia notícias sobre o corpo de Fernanda Ellen, recebi via e-mail um texto que dizia “Paraíba registra redução de 6,3% nos homicídios no 1º trimestre do ano”. Parecem números positivos (ou não!), mas são apenas números. Para quem sofre a perda, estatísticas são inócuas, não aplacam a dor da ausência, não confortam o coração. Somos homens e mulheres, meninos e meninas cheios de vida. Não somos operações matemáticas ou planilhas numéricas. Desde há muito somos tomados por números, mas seremos únicos sempre – vida e esperança, sonhos e tristezas, medo e amor, prazer e alegria… algo que os números nunca alcançarão.

Na última sexta-feira, quando a frase que abre este texto deveria ter sido publicada, foi realizado o ato público “Onde Está Fernanda Ellen? – A Paraíba tem Fome e Sede de Justiça”, na orla de João Pessoa. Naquele instante, a pergunta vinha acompanhada do silêncio. Hoje não podemos imaginar o grito de dor de uma família que vê sua princesa brutalmente assassinada à flor da idade. Quantas Fernandas Ellens serão vitimadas até que todos – sociedade, gestores, líderes, pais, filhos, cidadãos – possamos gritar juntos um “basta” a tanta violência? Quando a pergunta “que sociedade é essa em que vivemos?” dará lugar a “em que sociedade queremos viver?”. Quando pensaremos “e se fosse comigo?” e decidiremos que Fernanda era mais do que filha de pais do Alto do Mateus – ela era filha de João Pessoa, da Paraíba, do País em que vivemos e pretendemos seguir criando nossos filhos. Há que se lutar, apesar do medo. Há que se falar não apenas denunciando violência, mas semeando paz. Há que se ter esperança, pois sem ela tudo perde o sentido. Hoje oramos ao Pai, à Paz, à Esperança. Faça o mesmo, cético ou crédulo. Porque, mais do que nunca, essa orAÇÃO precisa estar nos lares, nas escolas, nas ruas, no coração. #paznacidade

Pente-Fino da vergonha

Henrique França
@RiqueFranca

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Equipamentos apreendidos durante Operação Pente-Fino na Paraíba (Foto: Divulgação/Seap)

Espetos, facas, celulares, carregadores, fones de ouvido, tesouras, cachimbos, aparelhos de televisão, DVD, videogames, pen drives, caixa de som, monitor de computador, dinheiro. Pode até parecer o checklist para um churrasco de fim de semana, entre amigos, mas esse é o resultado de operações “pente-fino” realizadas em três penitenciárias da Paraíba – todas no interior do Estado. Aliás, nem casa faltava até dia desses, quando uma mansão foi “descoberta” dentro de um presídio em Campina Grande, na Paraíba, local que nem foi vistoriado nessa farra da última semana.

Quatro dias depois dessa “feira” flagrada no interior, na capital João Pessoa um novo resultado de operação “pente-fino” é apresentado à imprensa e sociedade: fotos das facas e celulares, depoimentos das autoridades penitenciárias, discurso de moralização. Um dos responsáveis por “pentear” os presídios no Estado – tarefa certamente ingrata, de Sísifo! – declara que o objetivo da ação é mudar a mentalidade “dentro e fora” dos presídios paraibanos. Afinal, celular não nasce da lavoura e nem aparelhos de TV caem do céu como chuva. Conclusão óbvia e por isso patética: todo esse material entra mesmo é pela porta da frente das cadeias. Uma prática imoral, ilegal e que amplifica a sensação de impotência da sociedade – inclusive daqueles policiais realmente comprometidos com a segurança de sua gente – e de escárnio da parte de bandidos, inclusive daqueles que permitem a entrada desse material.

Assim caminha o sistema carcerário brasileiro: policiais que poderiam estar nas ruas são destacados para realizar operações pente-fino, sabendo exatamente o que vão encontrar. Acontece que “pentear” presídios a cada semana, mês, ou seja lá em quanto tempo, não deveria ser natural. Não se trata de limpar o jardim porque o mato cresceu. Se há ervas daninhas no sistema prisional, que permitem o tráfego de materiais proibidos por lei nos presídios, que elas sejam arrancadas dali. Mas só é possível fazer isso quando a lógica do pente-fino vigorar entre os donos do salão. Alguém que libera a entrada de um televisor no presídio pode ser muito bem flagrado por uma câmera de segurança – daquelas mesmas que as autoridades nos vigiam, a nós cidadãos, todo instante.

Enquanto houver permissividade a respeito dessa “zona franca” que é o entra e sai de mercadorias nos presídios brasileiros; enquanto policiais forem destacados para desfazer o crime cometido cínica e repetidamente por pessoas com prerrogativa de liberar esse “mercado chinês” de porta de cadeia; enquanto a Segurança Pública apontar o tal “pente-fino” como um sinal de eficiência e não de vergonha para todos, os cidadãos que pagam impostos, que sonham com uma cidade menos violenta, com leis cumpridas e transparência nas ações coletivas permanecerão autoencarcerados nos limites dos próprios muros, onde parece haver muito mais controle e seriedade.

Canudos se foi?

ImageHenrique França
@RiqueFranca

            Acredito na música como canal de transformação, libertação e mobilização. Hoje tive o privilégio de explicar a meus filhos – 8 e 5 anos – o absurdo que foi a Guerra de Canudos. Assistíamos ao clipe de O Rappa, “Súplica Cearense”, quando a narrativa audiovisual em animação chamou a atenção das crianças. “Pai, por que o exército foi lá matar as pessoas? Eles mataram até crianças?” – e deu-se início a uma boa conversa.

Não cabe aqui detalhar historicamente Canudos, mas vale trazer à memória situações do final do Século 19 que persistem na atual era da informação tecnológica, tão moderna quanto vazia, e na qual estão inseridos nossos filhos. E episódio de Canudos, considerados por alguns como o maior massacre da história brasileira, onde apontam 20 mil mortos, é sustentado sobre o tripé Estado, Igreja e liberdade – ou libertação.

Estado e Igreja se viram ameaçados por Antônio Conselheiro e seus seguidores por perderem, cada um a seu modo, fiéis. Do poder público – destaque-se o termo “público” –, o pavor de ver prosperar, mesmo que pobre financeiramente, uma comunidade alheia a impostos, que praticava o partilhar dos alimentos e mantinha-se menos miserável do que quando inserida no esquema trabalhista escravocrata junto aos coronéis da região e das altas taxas governamental e nenhuma assistência social.

Da Igreja, o medo assustador de perder fiéis domingueiros diante de um homem que se vestia “como uma múmia” – segundo Euclides da Cunha, em Os Sertões -, se declarava enviado de Deus e proclamava a libertação dos dogmas eclesiásticos vigentes e a opressão social. Conselheiro não abandonara os ritos de terços e pregações, mas foi além do falar e decidiu fazer. Assim, fiéis trocavam a simples reza ritualística dos templos pelas mobilizações em forma oração promovidas em Canudos.

Estado, Igreja, Exército e mesmo intelectuais, jornalistas e sociedade “padrão” da época foram coniventes com o massacre de Canudos por um único e vergonhoso motivo: libertação. Aquelas 20 mil pessoas sentiram, por alguns meses, o gosto de fazer uma sociedade menos opressora, menos cínica e mais pública do que jamais se havia conhecido até ali. A libertação é sempre perigosa – especialmente quando ela vai de encontro à ignorância travestida em “ordem”.

Canudos se foi? Estado e Igreja continuam de pé. Em geral, o primeiro não garante melhores condições de vida e a segunda não representa a essência de Deus, apesar de estarem cientes de que ambos deveriam promover o bem-estar, o desenvolvimento ordenado, o cuidado, a paz. E a liberdade? Ela continua ali, em estado potencial, sempre prestes a romper correntes, promover mudança e colocar-se à prova – mesmo que, ao extremo, isso represente a morte. Afinal, de que vale viver e não ser livre para ter tempo com os filhos, para amar e ouvir canções, para plantar sementes na terra onde nasceu? Repressão, escravidão, desrespeito e morte estão logo ali. Não à toa Antônio Conselheiro chegou a batizar o local, que ficava em um vale, de “Belo Monte”. Canudos não se foi.

Superexposição, autoviolência e diversão na web

Uma semana depois, o vídeo em que um garoto de expõe fisicamente é retirado do ar. Muito tempo dado aos aproveitadores.

Henrique França
@RiqueFranca

            Tudo começa como uma brincadeira entre duas adolescentes contaminadas, como milhares de outras meninas modernas, pelo universo do narcisismo e da superexposição na Internet. Sentadas diante de uma webcam, a dupla faz caras e bocas para dublar a pseudocanção “É nós que traça” (que liquidifica a combinação ‘batida para rebolar’ e ‘letra para achincalhar a mulher’). Em dado momento do “show” das meninas exibicionistas, um garoto de aproximadamente sete anos entra em cena e a sequência de imagens se torna constrangedora: o menino baixa a roupa e mostra o ânus, manipula o pênis e simula uma masturbação ali mesmo, no ritmo da “música”.

Nessa sequência de pouco mais de um minuto de duração há duas questões que precisam ser consideradas por muito tempo. Primeiro, a falsa sensação de segurança que leva crianças e adolescentes trancados em seus quartos, diante do monitor do computador, a abusar de uma linguagem vulgar, a postar imagens erotizadas, a dar dicas de como serem encontrados (endereço, trajetos casa-escola) e a experimentar um universo adulto demais para a imaturidade infantil e, o mais grave, sem qualquer acompanhamento de pais ou responsáveis.

A segunda questão recai exatamente sobre os adultos, que deveriam orientar suas crianças e adolescentes ou, minimamente, acompanhar seus rastros de jovens internautas – o que evitaria desfechos infelizes como sequestros, violência, abuso sexual e, não raro, assassinatos. O que acontece, porém, é que muitas famílias têm pulverizado a responsabilidade de educar e orientar seus filhos entre a escola, a TV (antigas “educadoras”) e a Internet. Fato é que filho em casa, protegido das ruas e diante da Rede Mundial de Computadores está tão ou mais exposto do que o moleque que brinca na praça da esquina. Muito provavelmente ali, na praça, um garoto de sete anos que expusesse o ânus e simulasse masturbar-se seria repreendido – isso se ele sentisse a liberdade de fazê-lo em local público. Liberdade essa, totalmente falsa e perversa, nas teias da web. O olhar conectado da câmera abre os portais para um espaço bem mais público do que o olho da rua em frente a casa.

Se a total falta de bom senso permitisse a descrição textual detalhada desse vídeo, aqui, esta crônica correria sério risco de ser criticada pela baixeza ou pela vulgaridade no linguajar. Apesar disso, muito mais explícitas que quaisquer palavras usadas agora, as imagens do garoto instigado pelas adolescentes à superexposição – e o prazer de uma delas em verificar a “ordem” sendo cumprida – permaneceram na Rede por mais de uma semana, até que o site em que o conteúdo foi postado retirou o vídeo do ar, alegando desrespeito à política de uso. Uma semana é tempo suficiente para baixar e compartilhar o vídeo sem qualquer empecilho, e esse compartilhamento faz parte do modo de ação das redes de pedofilia mundo afora.

Há muita gente dando dicas sobre como evitar a exposição de crianças na Internet, mas o número de imagens de meninos e meninas em situação dúbia, e de jovens narcisos em busca de aceitação ou notoriedade na web, tem se mantido crescente – assim como os casos de abusos contra esses pequenos. E, nesse contexto nada virtual, a suposta diversão das nossas crianças e adolescentes contribui para alimentar a perversão de adultos doentes.

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Com quantos cliques se constrói um Brasil

Mobilidade para quem?

Henrique França
@RiqueFranca

                A mobilidade urbana é a mais nova moda da administração pública brasileira. E, o que é “melhor”, rende votos e verbas. Asfalto novo, vias abertas, viadutos, passarelas, tudo de “primeiro mundo”, não fosse a visão tacanha de quem projeta até a esquina mais próxima as ações desse modismo. Se não, vejamos: quantas pistas novas foram abertas na sua cidade ou quantos quilômetros de asfalto novinho, brilhando, foram entregues pela administração pública do seu município, nos últimos meses? Ótimo, não? Agora, em contrapartida, responda quantos quilômetros de calçadas adequadas, sem obstáculos ou riscos como pisos azulejados, pontas cortantes, rampas altíssimas são garantidas aos pedestres e/ou cadeirantes dessas mesmas cidades, paralelo a essas mesmas avenidas de asfalto novo? Vergonha, não?

Esse é apenas um entre vários exemplos que distorcem o bom senso dessa espécie de amuleto da gestão pública brazuca. Na lógica oficial da mobilidade urbana, a preferência de passagem, velocidade, pista limpa e o tal “fluxo” adequado está totalmente focada nos veículos automotores. Essa postura, além de perigosa, vai contra a legislação que deveria nortear essa engrenagem de tráfego urbano. Afinal, segundo o Código Brasileiro de Trânsito, o fluxo “de veículos nas vias terrestres abertas à circulação” deverá observar “as normas de circulação e conduta […], em ordem decrescente, os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres”. Faça o caminho inverso deste artigo 29 e chegaremos à mais óbvias das conclusões: mobilidade urbana começa pelo pedestre! Mas, onde estão as obras faraônicas que beneficiarão quem segue a vida sobre duas pernas ou cadeiras de rodas? Cadê a prioridade às pessoas e, no final da fila, o “carinho” para carrões, caminhões, ônibus e outras máquinas poluentes, barulhentas, velozes e, não raro, causadoras de milhares de mortes no Brasil?

Há um movimento crescente, por exemplo, tentando ensinar à população brasileira que ciclista em ruas e avenidas não é estorvo, é veículo com direitos que iguais aos carrões. Uma das normas a esse respeito é que os automóveis devem manter distância de 1,5 metro na hora de ultrapassar uma bicicleta que esteja trafegando, quando não houver ciclovia, ciclofaixa ou acostamento nessas pistas. Agora volte os olhos para as ruas e avenidas da sua cidade e responda: há como ultrapassar uma bicicleta com margem de 1,5 metro de distância sem, no mínimo, invadir outra faixa, quando não a contramão? Então, vamos fazer ciclovias! Ótimo, mas quem vai fiscalizar o uso absurdamente abusivo desses espaços por veículos automotores? Ou, ainda, alguém responda porque as ciclovias – ou ciclofaixas – começam em lugar algum para chegar em ponto nenhum? Sim, porque o projetista dessas vias deve imaginar que o ciclista chega ali com a bike na mala do carro, descarrega a “magrela”, passeia pela ciclovia festejada e lá no “final”, toma uma decisão: ou entra na avenida para competir com os carros, ou volta por onde veio, porque a ciclovia não fecha o ciclo. Ela acaba no nada!

Ainda assim, o movimento pró-mobilidade urbana segue festejado aos quatro cantos. Todos os principais pré-candidatos a prefeituras Brasil afora – especialmente os mais inteligentes – estão falando no assunto. E estão certos! Até porque espera-se um colapso no transporte urbano do País até 2020 e essa deve ser uma preocupação genuína de quem governa, vai ou pretende governar daqui por diante. Por falar em colapso, talvez essa seja a única forma de trazer à tona iniciativas verdadeiras – e não de outdoors – em relação à mobilidade urbana: se parar tudo, a gente vê o que faz! Há bons projetos, é verdade, como o Calçada Legal de Rio Grande – pelo poder público – e o Bike Anjo, pela sociedade civil organizada. Porém, ainda são iniciativas tímidas diante das artérias abertas diariamente nas cidades, por onde devem escoar milhares de carros, motos, caminhões, ônibus… e sangue… de quem precisa seguir o fluxo.

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Três flagrantes, duas mortes, um condutor

Sangue na Lei Seca

Sangue na Lei Seca

Henrique França
@RiqueFranca

O condutor do veículo mostra-se incapaz de conduzir coerentemente o próprio corpo, tamanho o charco alcoólico em que visivelmente está. Ainda assim, e cheio de razão, ele recusa fazer o teste do bafômetro. O “detalhe” é que o ébrio motorista acabara de causar um acidente grave, tirando a vida de outra pessoa. A cena, infelizmente, tem-se tornado repetitiva no Brasil. E seus desdobramentos, ainda pior, são vergonhosos: vulgarização da vida, dor e impunidade – especialmente se o condutor embriagado for ‘amigo’ de alguém, uma ‘autoridade’ ou simplesmente tão abastado financeiramente quanto alcoolizado.

Há poucos dias, porém, o Supremo Tribunal Federal (STJ) decidiu dar uma mãozinha a mais nesse cenário de impunidade. Restringiu a possibilidade de prova por embriaguez da chamada Lei Seca tão somente aos testes de alcoolemia. Resumo do samba: caso o condutor não aceite fazer o teste do bafômetro ou permita a coleta do próprio sangue para análise dos seus níveis de álcool, esqueça provas testemunhais, depoimentos de autoridades de trânsito ou relatos de quem se mostrar embriagado, xingando, vomitando no meio-fio ou simplesmente sorrindo alucinadamente da mórbida situação. Nada disso valerá diante do juiz.

O Brasil, alardeiam muitos, possui um dos conjuntos de leis mais completos do mundo. O problema é que, além de toda essa completude sair muito pouco do papel para a prática – em níveis de igualdade social, todo preto e pobre sabe muito bem disso! -, vez por outra nossos homens e mulheres da lei parecem quere burilar tanto a letra que essa acaba se tornando fina, frágil e fácil de se quebrar.

É o princípio constitucional da não incriminação – aquele de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo -, defenderão outros doutores da lei. De fato, o é. Mas é estranho que no País onde os acidentes de trânsito matam 111 pessoas por dia (ou 40.515 por ano), a obrigação do uso de um equipamento de segurança como o bafômetro seja relativizado legalmente. Sim, porque o bafômetro, caros ministros, não é um instrumento de incriminação, mas de segurança – assim como as lentes de raio-x dos aeroportos e os detectores de metal na entrada de estádios de futebol, por exemplo.

Qual é a lógica, afinal? Se somos abordados por policiais na rua e somos obrigados a esvaziar os bolsos, abrir as bolsas, o porta-malas do carro, o que muda tanto em relação ao procedimento “alcoolêmico”? Quando a lei ou a letra se torna puro objeto de fetiche legalista, perde força e chega mesmo ao patamar infeliz de letra morta – o que não falta na nossa Constituição Federal, infelizmente.

Na próxima semana, os deputados federais devem votar um projeto para aumentar o rigor da Lei Seca. A ideia é inserir no texto a possibilidade de produção de prova testemunhal. Além disso, membros da Frente Parlamentar em Defesa do Trânsito Seguro querem dar mais rigor à lei, criando a tolerância zero para álcool no sangue dos condutores de veículos. Em meio ao jogo de letrinhas jurídicas e dos interesses parlamentares, pelo menos até a próxima quarta-feira, data em que o assunto deve ser discutido no Congresso Nacional, quase 900 brasileiros já terão morrido em decorrência da nossa triste guerra das ruas. É sangue que encharca a Lei Seca.

[Texto publicado no Jornal A União, edição de 5 de abril de 2012]

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A Copa do desrespeito

Henrique França
@RiqueFranca

 

Que o Brasil tem um povo, regra geral, fascinado por futebol e que seus jogadores compõem, de longe, a maior concentração de craques que esse esporte jamais produziu não se pode negar. Assim como não se pode negar que trazer para o “país do samba e do futebol” um evento como a Copa do Mundo deveria ser algo extraordinário, extasiante. Deveria… mas o fato é que o desenrolar (ou o enrolar?) dos trâmites para a realização do maior compeonato dos gramados em terras brazucas tem sido marcado por faltas graves, daquelas que o cartão vermelho estaria no alto, sem chance.

Para começar, a tal ‘escolha’ pelo Brasil se deu após a desistência da Colômbia em encarar o torneio. Há quem diga “melhor para nós” e quem declare “sobrou para nós”. Na verdade, a segunda e aparentemente pessimista frase tem sido melhor estampada no bate-cabeça dos parlamentares, empresários e prestadores de serviços tupiniquins. Nosso país continental tem sido tratado pela Fifa como um adolescente inconstante e mimado, chegando ao ponto da representação da poderosa Federação declarar que o Brasil estava precisando “levar um chute no traseiro”.

Inconvenientes e (falta de) educação diplomática a parte, faz tempo que este País está precisando não levar um chute, mas no mínimo deixar de expor o seu traseiro. Ou seria exagero envergonhar-se por perdermos tempo, no Congresso Nacional, com uma lei atravancada por questões legalmente resolvidas por aqui? Afinal, qual o sentido de debater a liberação ou não de bebidas alcoólicas nos estádios, durante a Copa, se a lei brasileira já determina os limites? E a inexistência da meia-entrada nos locais de jogos? Desde quando a Fifa se considera no direito de declarar uma espécie de “Estado de Sítio” às avessas em qualquer País? Talvez a resposta esteja em “desde que os governantes desse mesmo país fecharam acordos que precisam ser honrados” – mesmo que isso arranhe a lei e a tentativa de ordem em que vivemos.

O atraso na construção dos estádios é jogada pequena diante do “olé” que o Brasil pode levar por confundir “paixão nacional” com “administração funcional”. Foi o próprio presidente Lula, à época, quem declarou, depois de receber a taça da Copa das mãos de Joseph Blatter: “o mundo terá a oportunidade de ver o que o povo brasileiro é capaz de fazer. O futebol para nós, brasileiros, não é apenas um esporte, mas uma verdadeira paixão.” Não custa perguntar: o que significa “nós brasileiros”? Seriam os políticos de olho no financiamento internacional, empresários carentes de infraestrutura para receber bem os milhares de turistas que aportarão por aqui ou as riquíssimas prestadoras de serviços básicos que sequer conseguem oferecer à sua população sistemas básicos e minimamente decentes de transporte (aéreo e terrestre), segurança e saúde?

A Copa não é dos brasileiros. É da Fifa. Para essa superpoderosa entidade, precisamos estar preparados para algumas semanas de campeonato e ponto. Para nós, “nativos apaixonados”, deveria existir algo mais. Que legado esse espetáculo do esporte nos deixará, além de boas tomadas na TV e imagens de cartões-postais? A Colômbia desistiu de entrar no jogo da Fifa, na África do Sul até mesmo um metrô iniciado ficou subutilizado e funciona parcialmente, pós-Copa. O Brasil é, sem dúvida, o País do futebol, aquele da bola no pé. Mas quando se trata de colocar a mão na massa, o pessoal que negocia os trâmites do megaevento tem colocado em campo ‘craques’ em morosidade, incertezas, desaforos e dúvidas.  E aí, pior do que encarar um jogo de pernas de pau é ver o seu País sendo negociado por um time de caras de pau.

[Texto publicado no Jornal A União, edição de 28 de março de 2012]

A difícil arte do exemplo

Henrique França
@RiqueFranca

Há uma frase centenária do músico e teólogo Albert Schweitzer que vem sendo publicada em livros escolares e usada em reuniões motivacionais, mas ainda carente de uso, na prática: “dar o exemplo”, ele escreveu, “não é a melhor maneira de influenciar os outros. É a única.” A unicidade da proposta, fundamental no processo de construção social ordeira, é certamente um dos maiores desafios para educadores, pais e líderes em geral. Até descobrirmos a responsabilidade de ensinar, educar, preparar alguém para a vida, a autocobrança do exemplo pode ficar para depois. Porém, tornar-se exemplo chega com urgência quando embalamos um bebê no colo, ou adentramos em sala de aula, ou nos propomos a liderar (e não chefiar, mandar em) outras pessoas.

Nesse aspecto, o exemplo proposto por Schweitzer difere de outro tipo de conduta considerada exemplar para muitos: a punição. Na Idade Média, enforcar criminosos, guilhotinar traidores do poder ou empalar seres “indignos” – inclusive escravos e índios – eram ações tomadas como exemplo. Algo como ‘que sirva para que outros não façam o mesmo’. Nessa perspectiva, invoca-se um dos mais indignos e covardes ditados populares, que também vem influenciando gerações: “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”.

Na dicotomia entre tornar-se exemplo e dar o exemplo como punição – e consequentemente como ameaça coletiva –, boa parte dos gestores públicos no Brasil parecem optar pela postura do dito popular, ignorando a proposta de Schweitzer. Fazem-se as leis, eivadas de punições, limites e alertas. A quem cabe o cumprimento, para que a ordem seja mantida, senão a todos? Porém, o que se vê com extrema frequência é que as regras do jogo social brasileiro têm sido feitas para os outros, no sistema “faça o que eu digo, não o que faço”.

Vale como exemplo uma ação pueril, pequena, mas bastante ilustrativa. No trânsito, sinalizações e limites são transgredidos, não raro, por agentes e veículos com adesivos de administrações públicas, placas brancas, pinturas que identificam seu caráter de autoridade e que, por isso mesmo, deveriam “ser” exemplo. Mas, não! O carro da prefeitura, seja ela qual for, cruza as avenidas muito acima da velocidade; as patrulhas da polícia avançam semáforos vermelhos sem qualquer anúncio de emergência em suas sirenes; as picapes com logomarcas oficiais se apoderam das calçadas, impedem o pedestre de caminhar, contrariam a própria lei.

Há uma desordenação em quem prega a ordem. Se estabelecimentos comerciais precisam de regras para funcionar, de segurança estrutural adequada, de espaço destinado a veículos e pedestres, por que há tantas liberações de alvarás para estabelecimentos fora dos padrões de organização legal? Por que, por mais idiota que possa parecer a questão, permite-se que um poste seja fincado no meio de uma calçada já bastante estreita, inviabilizando uma caminhada tranqüila, segura, sem falarmos na tão demagogicamente badalada acessibilidade a cadeirantes?

Precisamos inserir nas cartilhas oficiais, nas entrelinhas dos códigos de conduta, nas leis e suas punições a proposta de Schweitzer, e não o ditado popular tão acovardado. Talvez assim, a partir do exemplo dos veículos oficiais em respeito aos limites de velocidade, ao pedestre, ou da implantação de equipamentos em locais adequados, que não ‘roubam’ o espaço público, tenhamos uma sociedade exemplar. Até porque o discurso “faça o que digo e não o que faço” caiu no descrédito há tempos. E a Idade Média já nos deixou o exemplo de como não agir.

 

[Texto publicado no Jornal A União, edição de 24 de março de 2012]